quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Falta "desejo" no texto acadêmico?

Como são escritos os textos acadêmicos? Por quem e para quem?
De que linguagem os acadêmicos se utilizam para escrevê-los? Eles cumprem seus propósitos?
Tenho refletido bastante sobre isso, como professora, como produtora de textos, como leitora.

Uma das coisas que me motivou a pensar a respeito foi a queixa que meus alunos da faculdade de comunicação fizeram a respeito dos textos acadêmicos: o quanto eles não são entendidos por terem uma linguagem extremamente difícil, com um excesso de rebuscamento que representa o envaidecimento dos autores, considerados intelectuais (às vezes pelos próprios autores). O estudante, assim, já inicia o trabalho da leitura há milhas de distância do autor. Quem dirá então que sentirá vontade de produzir textos acadêmicos.

Outra característica citada pelos alunos foi a falta de paixão nessa escrita, e, assim, seu distanciamento da vida cotidiana. A produção acadêmica então não passaria de mais uma conversa de especialistas para especialistas que parece não dialogar com a vida.

A Revista Língua Portuguesa do mês de novembro fez uma matéria bem legal discutindo o gênero acadêmico - A ficção que vale um doutorado - em que aborda o quanto formatos ficcionais de texto podem contar ou não como textos acadêmicos. Na discussão, a matéria faz uma citação da obra "O Rumor da Língua", de Roland Barthes. Segundo a reportagem, o trecho citado (extraído do texto Jovens Investigadores) sugere uma escrita mais vigorosa para o texto acadêmico. O trecho citado é o seguinte:

"O trabalho (de investigação) deve ser colhido no desejo. Se esse desenvolvimento se não realiza, o trabalho é moroso, funcional, alienado, movido unicamente pela necessidade de passar um exame, de obter um diploma, de assegurar uma promoção de carreira. Para que o desejo se insinue no meu trabalho, é preciso que esse trabalho me seja pedido, não por uma colectividade que entende certificar-se do meu labor (da minha pena) e contabilizar a rentabilidade das prestações que me consente, mas por uma assembléia viva de leitores na qual se faz ouvir o desejo do Outro (e não o controlo da Lei). Ora na nossa sociedade, nas nossas instituições, o que se pede ao estudante, ao jovem investigador, ao trabalhador intelectual, não é nunca o seu desejo: não lhe é pedido que escreva, é-lhe pedido, ou que fale (ao longo de inúmeras exposições), ou que "relate" (em vista de controlos regulares)."

Gostei muito dessa citação. E pergunto: falta desejo na produção acadêmica?
O que mais anda faltando para que se produza textos entendíveis e com uma função no mundo?

3 comentários:

Cé S. disse...

Bem interessantes o assunto e a citação.

Eu não perderia meu tempo lendo ou escrevendo se não tivesse tesão pela coisa. Como tenho, passo ótimos momentos pesquisando para minha tese. Busco passar o sabor da coisa adiante, e quando vejo meus leitores desinteressados, é porque ainda não acertei, e preciso me aproximar mais deles, ouvir o que eles acham do assunto, conhecer seus pressupostos, e surpreendê-los.

É um trabalho lento e difícil, mas muito gratificante. E dá para fazer com os temas mais herméticos! Tipo, minha tese é sobre um tema bem esotérico da filosofia cartesiana, e fico feliz em ver que o exemplar sempre é retirado na biblioteca, e que cópias sempre são baixadas do Criticanarede.com. Além disso, os leitores entram em contato diretamente, ou por email, e sempre ganho com essas trocas.

Enfim, o tesão é a solução para o texto acadêmico, com certeza !

Djegovsky disse...

Bueno, eu sempre tive um pé atrás com a academia (na verdade um corpo inteiro!). Desde minha primeira (e inconclusa) faculdade vi que o negócio era sério. Quando fazia jornalismo, tive aula com um professor recém chegado de Madrid, onde fizera seu mestrado, doutorado ou sei lá mais o que. Só que o rapaz não entendia nada de texto jornalístico. Deu um livro do Jean Baudrillard (só posso ter pena de quem leva J.B. a sério) pra resenhar e era isso. O negócio dele era ganhar diplomas mesmo.
Na mesma faculdade tive outro professor com grande vivência de redação e não muito apego pelas salas de aula: e o cara era um mestre. A academia, claro, preferia o primeiro professor.
Bom, só queria dizer mesmo que é com alívio que me deparo com essa tua visão crítica sobre o mundinho da academia....rs
abraços

Djegovsky disse...

Bueno, eu sempre tive um pé atrás com a academia (na verdade um corpo inteiro!). Desde minha primeira (e inconclusa) faculdade vi que o negócio era sério. Quando fazia jornalismo, tive aula com um professor recém chegado de Madrid, onde fizera seu mestrado, doutorado ou sei lá mais o que. Só que o rapaz não entendia nada de texto jornalístico. Deu um livro do Jean Baudrillard (só posso ter pena de quem leva J.B. a sério) pra resenhar e era isso. O negócio dele era ganhar diplomas mesmo.
Na mesma faculdade tive outro professor com grande vivência de redação e não muito apego pelas salas de aula: e o cara era um mestre. A academia, claro, preferia o primeiro professor.
Bom, só queria dizer mesmo que é com alívio que me deparo com essa tua visão crítica sobre o mundinho da academia....rs
abraços