quinta-feira, 7 de maio de 2009

A iniciação na escrita e personagens interessantes: Briony, de Reparação

"Aos onze anos de idade, Briony escreveu sua primeira história - uma bobagem, imitação de meia dúzia de narrativas folclóricas; faltava-lhe, ela percebeu depois, aquele vital conhecimento do mundo que faz jus à admiração do leitor. Mas aquela primeira tentativa desajeitada lhe mostrou que a própria imaginação era uma fonte de segredos: quando ela começava a escrever uma história, ninguém podia saber. Fingir com palavras era uma coisa tão hesitante, tão vulnerável, tão constrangedora que ninguém podia ficar sabendo. Só de escrever "disse ela" ou "e então", Briony envergonhava-se, sentia-se ridícula por fingir conhecer as emoções de um ser imaginário. Cada vez que falava sobre a fraqueza de um personagem, inevitavelmente se expunha; era fatal que o leitor imaginasse estar ela descrevendo-se a si própria. De que outra maneira poderia ter descoberto aquilo?"
(...)
"Mesmo sem a atenção, os elogios e o prazer evidente de seus familiares, teria sido impossível para Briony não escrever."
(...)
"Agora já havia deslanchado; e também encontrava satisfação em outros níveis; escrever histórias não apenas envolvia o segredo como também lhe proporcionava todos os prazeres da miniaturização. Era possível criar todo um mundo em cinco páginas, um mundo que dava mais prazer que uma fazenda em miniatura. A infância de um príncipe mimado era apresentada em meia página; um galope ao luar, passando por várias aldeias adormecidas, era uma só frase marcada por ênfases rítmicas; o ato de apaixonar-se cabia numa única palavra - um "olhar". As páginas de uma história recém terminada pareciam vibrar em sua mão, de tanta vida que continham. Também conseguia desse modo satisfazer sua paixão pela organização, pois o mundo caótico ficava exatamente como ela queria."


McEwan, Ian. Reparação. Tradução: Paulo Henriques Britto. 7a. Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 
Trechos citados: páginas 14, 15 e 16.

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